Mayhem, a lenda do Black Metal

"WHEN IT'S COLD
AND WHEN IT'S DARK
THE FREEZING MOON CAN OBSESS YOU!!!"

Imagino que você leitor tenha lido com a voz do Per Ohlin na cabeça, não é mesmo?

Nessa matéria vamos falar do Mayhem, banda norueguesa fundada pelo falecido guitarrista Euronymous, cujo nome verdadeiro era Øystein Aarseth. O nome do grupo foi inspirado em uma música do álbum 'Welcome to Hell' do Venom chamada "Mayhem With Mercy".

A banda começou fazendo covers de Slayer, Motörhead, Black Sabbath e Venom antes de lançar sua primeira demo 'Pure Fucking Armageddon'. Em 1986, além de Euronymous, a banda era formada pelo baixista Necrobutcher e pelo baterista Manheim, com Messiah nos vocais, mas ele logo deixou a banda e em 1987, Maniac entra em seu lugar. Nesse mesmo ano o EP 'Deathcrush' seria lançado, ainda com a participação de Messiah, mas em apenas duas músicas. 'Deathcrush' teve tiragem inicial de apenas 1.000 cópias, que se esgotaram logo.

Em 1988, Maniac é expulso do Mayhem por causa do seu vício em drogas e o baterista Manheim deixa o grupo em busca de um emprego regular, restando apenas dois integrantes na banda.

E aí, vem a minha parte preferida do Mayhem, a fabulosa entrada de Per Yngve Ohlin, cujo nome fantasia era Dead. A Roadrunner Records o listou na 48ª posição no ranking dos 50 Melhores Vocalistas de Metal de Todos os Tempos.

Per Yngve Ohlin, às vezes também conhecido como "Pelle", sofria de apneia do sono na infância. Aos 10 anos, teve o baço rompido após, segundo ele, sofrer um acidente no gelo, sendo levado para um hospital, onde foi por um tempo dado como morto. Fontes próximas a sua família, porém, afirmam que este acidente, foi em realidade, ocasionando por bullying sofrido por ele na escola.

Após essa experiência de quase-morte, Per Yngve Ohlin ficou fascinado com a morte.

Antes do Mayhem, Dead teria fundado um grupo de black metal chamado Morbid, na Suécia, seu país de origem, pouco depois viu que não haveria muito futuro por lá. Nesse período surgiu o interesse de se juntar ao grupo norueguês de black metal. Dead se comunicava com os integrantes da banda por carta. De acordo com Necrobutcher, para entrar no grupo, Pelle enviou um pequeno pacote contendo uma fita demo, uma carta e um porquinho da índia em estado de decomposição. Embora tenham achado bizarro, Dead conseguiu chamar a atenção da banda e foi escolhido na hora como vocalista. É quando Pelle se muda para a Noruega e se junta ao Mayhem.

Hellhammer disse que Pelle foi o primeiro músico de black metal a usar o corpse paint, e por isso ficou conhecido como "Morto" (Dead). Ele maquiava-se como um cadáver até durante os ensaios da banda. Ainda de acordo com o baterista, Dead se trancava em seu quarto e vivia sempre deprimido.

Um dia, Hellhammer decidiu ir a Oslo com amigos e antes de partir encontrou Dead, que estava carrancudo e deprimido: "Veja, eu comprei uma faca enorme. Ela está muito afiada". Aquelas foram as últimas palavras que o baterista ouviu do vocalista antes de sua morte.

Dead dizia ser de outra realidade. A sua banda favorita era Sodom, dos quais possuía uma camiseta que habitualmente usava, sendo também apreciador da banda brasileira Sarcófago. Acreditava que a vida era somente um sonho.

Cometeu suicídio cortando os pulsos, e dando um tiro em sua própria cabeça com uma espingarda, que segundo Varg Vikernes - do Burzum - havia sido emprestada por ele.

Antes de cometer suicídio, Dead deixou um bilhete escrito: "Desculpe pelo sangue". Nessa nota estavam inseridas mais informações onde ele desabafava que a sua alma pertencia aos bosques nórdicos para onde sempre quis ir.

Ao encontrar o corpo do vocalista, Euronymous correu para a cidade, comprou uma câmera, tirou fotos do cadáver do ex-companheiro de banda, e usou uma delas como a capa do futuro LP, chamado 'Dawn of the Black Hearts'. Euronymous admitiu ter mudado algumas coisas de lugar para fazer foto: ele colocou faca por cima do corpo, por exemplo, para tornar a imagem mais chocante.

Segundo "Faust" Eithun, que foi baterista do Emperor: "Dead não era uma pessoa que podia se conhecer bem. Era difícil se aproximar dele. Ele tinha muitas idéias estranhas. Eu lembro do Euronymous falando dele, dizendo que ele não tinha senso de humor. Ele tinha, mas era muito obscuro. Sinceramente, eu não acho que ele estava gostando da vida nesse mundo."

O guitarrista Euronymous disse certa vez, a respeito de Pelle: "eu honestamente penso que o Dead é mentalmente insano. De que outro jeito posso descrever um cara que não come para sentir as dores da fome? Ou que usa camisetas com anúncios fúnebres?"

Hellhammer o descreveu como "uma personalidade muito estranha, depressiva, melancólica e sombria". Ainda, de acordo com o baterista: "antes dos shows, Dead enterrava suas roupas para que pudessem começar a apodrecer e obter aquele cheiro grave. Ele era um cadáver em um palco. Uma vez ele até mesmo nos pediu para enterrá-lo no solo - ele queria que sua pele se tornasse o mais pálida possível".

Durante uma turnê com o Mayhem, Dead encontrou um corvo morto e manteve-o em um saco plástico. Ele sempre o carregava e cheirava a ave antes de subir ao palco, para cantar "com o cheiro da morte em suas narinas". Ele também mantinha aves mortas debaixo de sua cama.

Dead gostava de se cortar ao cantar no palco. Durante um show em Sarpsborg, em 1990, ele cortou o braço dele com uma garrafa quebrada, os cortes foram tão profundos que teve de ser levado ao hospital por causa da severa perda de sangue.

Dead não se via como um ser humano, ele se via como uma criatura de outro mundo. Ele disse que tinha muitas visões que o seu sangue estava congelado em suas veias, que ele estava morto. Essa era a razão do seu nome. Ele sabia que iria morrer.

Necrobutcher recorda-se de como Euronymous contou a ele sobre o suicídio: "Øystein me chamou no dia seguinte... e disse: 'Dead fez algo realmente legal! Ele se matou'. Eu pensei, 'Você perdeu a cabeça? Como assim fez algo legal?'. Ele disse: 'Relaxa, eu tirei fotos de tudo'. Eu estava em choque e aflito. Ele estava somente pensando em como explorar isso. Então eu disse a ele: 'OK. Nunca mais me chame antes de destruir estas fotos'".

Euronymous usou o suicídio de Dead para gerar a imagem de "banda maligna" para o Mayhem, e declarou que Dead se matou porque o black metal havia tornado-se muito "modinha" e comercial.

Na época, surgiram boatos de que Euronymous teria feito um ensopado com pedaços do cérebro do vocalista e feito colares com pedaços de seu crânio. Posteriormente a banda negou os boatos, mas confirmaram que era verdade um tempo depois. Além disso, Euronymous afirmava que havia dado colares a músicos que ele julgava dignos, o que foi confirmado por inúmeros membros da cena do black metal norueguês, como Faust e Metalion. Após o ocorrido, Necrobutcher deixou a banda.

A banda foi alvo de outras polêmicas da história do black metal. Dizem que o Mayhem foi o grupo mais importantes do "Inner Circle" (que Varg afirma nunca ter existido), um movimento anticristão formado por membros de várias bandas de black metal da Noruega com o objetivo de disseminar e propagar ódio e aversão pela religião cristã, numa tentativa até mesmo de eliminar o cristianismo do país. Porém, essas atitudes não ficaram somente no plano intelectual: durante esse tempo várias igrejas foram queimadas na Noruega por membros do "Inner Circle", inclusive algumas igrejas históricas, resultando em mais de 50 igrejas queimadas ou danificadas por membros da cena e outros.

Com o suicídio de Pelle e a saída de Necrobutcher, o Mayhem ficou novamente com apenas dois integrantes. O vocalista e baixista Occultus entrou no grupo, fazendo alguns shows como trio por um período. Contudo, sua passagem na banda durou pouco tempo; ele saiu após receber uma ameaça de morte de Euronymous.

Em julho de 1993, a banda lançou o álbum ao vivo 'Live in Leipzig' em homenagem a Dead, que acabou virando um dos principais álbuns da cena do black metal. O show havia sido gravado em 1990, na cidade alemã de mesmo nome, ainda com o vocalista sueco.

É quando Euronymous chama Varg Vikernes (Burzum) para o baixo, Blackthorne Ruch (Thorns) para a segunda guitarra, além do húngaro Attila Csihar (Tormentor) para os vocais, e assim iniciam as gravações de 'De Mysteriis Dom Sathanas'.

A maior parte do álbum foi gravada durante o primeiro semestre de 1993 no Grieg Hall em Bergen. Para coincidir com o lançamento do álbum, Euronymous e Vikernes planejavam explodir a Catedral de Nidaros, a qual aparece na capa do CD, mas o plano acabou não sendo concretizado.

Devido a má exposição na mídia e por estar sendo vigiado pela polícia, Euronymous acabou fechando sua loja de discos Helvete, após dois anos da sua abertura.

No meio do ano, surgiu um desentendimento entre Varg e Euronymous envolvendo questões contratuais com a Deathlike Silence - gravadora independente do guitarrista - além de supostas disputas no "Inner Circle", o que acabou resultando no assassinato de Euronymous por Varg em 10 de agosto de 1993.

Nesse dia, Varg e Snorre Ruch viajaram 518 km de Bergen até o apartamento de Euronymous, em Oslo. Após um confronto entre os dois, Varg acabou esfaqueando o guitarrista e matando-o. O corpo foi encontrado fora do apartamento como vinte e três ferimentos de facadas. Vikernes alega que Euronymous queria capturá-lo e torturá-lo até a morte e gravar em uma fita de vídeo, usando um encontro sobre um contrato de gravações como pretexto. Na noite do assassinato, Vikernes diz que entregou o contrato nas mãos de Euronymous e "disse para ele se foder", mas que Euronymous atacou-o primeiro. Varg ainda afirma que a maioria dos ferimentos foram causados por cacos de vidro quebrados que caíram durante o confronto.

Vikernes foi preso em alguns dias, e meses depois foi sentenciado a 21 anos de prisão tanto pelo homicídio quanto pelos incêndios a igrejas. Foi liberado em 2009, após cumprir 16 anos da sentença. Na noite do assassinato, Ruch, que esperava por Vikernes no andar térreo do prédio e não teve nenhum envolvimento com o crime, acabou sendo condenado por cumplicidade no assassinato e ficou 8 anos preso.

Com a volta de Attila Csihar para a Hungria para terminar seu curso de engenharia, Euronymous morto e Varg preso, restou apenas Hellhammer como membro oficial do Mayhem, ocasionando o fim da banda.

Em maio de 1994, 'De Mysteriis Dom Sathanas' foi lançado formalmente dedicado a Euronymous. Seu lançamento foi adiado devido a queixas por parte dos pais do guitarrista assassinado, que se opuseram a presença das linhas de baixo gravadas por Varg Vikernes. De acordo com Varg, o baterista Hellhammer assegurou aos pais de Euronymous que ele mesmo regravaria os baixos. Aparentemente Hellhammer não fez isso, então o álbum contém os baixos originais de Varg Vikernes.


A REFORMULAÇÃO (1995 - 2004)

Em 1995, Hellhammer decidiu reformular a banda com a ajuda do guitarrista Blasphemer e de dois antigos membros do Mayhem, o vocalista Maniac e o baixista Necrobutcher. O primeiro lançamento com essa formação foi um EP de 1997, 'Wolf's Lair Abyss', que foi seguido por uma série de shows na Europa.

Nesta nova fase, as declarações feitas por Hellhammer (que se pronunciou contra mistura de raças e estrangeiros na Noruega) e o uso de imagens nazistas como a suástica na sala de ensaios, o emblema da Totenkopf (símbolo que representa a morte), além de materiais da banda com o símbolo do Nasjonal Samling (partido facista Norueguês), causaram polêmica e acusações de neo-nazismo.

Em 2000, a banda lançou seu segundo álbum de estúdio, 'Grand Declaration of War'. Fortemente influenciado por metal progressivo e avant-garde metal, o álbum aborda temas como a  guerra e a destruição pós-apocalíptica. Maniac abandonou o vocal rasgado do black metal por um vocal mais falado e dramático. As reações ao álbum foram distintas, alguns o criticaram por seu avant-garde e elementos eletrônicos (que eles viam como pretensiosos) e para os vocais de Maniac, que consideravam inferiores aos de Dead e de Attila Csihar. Outros viram como uma tentativa para recriar e redefinir o black metal.

Em 2004, a banda lança 'Chimera'. O álbum mostrou um retorno ao estilo mais brutal misturado a um som progressivo, mas com uma produção consideravelmente melhor que nos lançamentos anteriores.

Ainda em 2004, Maniac foi expulso novamente da banda, segundo Necrobutcher, por causa do alcoolismo. O baixista ainda afirmou que ocorreu uma briga violenta entre o cantor e Blasphemer. Durante a briga, o guitarrista chutou Maniac para baixo de uma escada e o vocalista bateu com a cabeça em uma parede. Para a função, Attila Csihar foi novamente convocado.


RETORNO DE ATTILA E SAÍDA DE BLASPHEMER

O quarto álbum de estúdio da banda, intitulado 'Ordo Ad Chao', foi lançado em 2007. O álbum contém um som mais cru comparado aos trabalhos anteriores da banda, o que deu um ar mais vanguardista e sombrio ao disco. Ele segue o estilo experimental, com músicas mais longas como 'Illuminate Eliminate', com mais de nove minutos de duração. 'Ordo Ad Chao' recebeu críticas positivas e é o álbum de maior sucesso da banda, alcançou a 12ª posição nas paradas norueguesas.

No ano seguinte Blasphemer deixa o Mayhem, mas planos para uma turnê são anunciadas no site da banda antes mesmo de qualquer palavra sobre novos membros. Em outubro de 2008, o guitarrista Morpheus (Dimension F3H/Limbonic Art) junta forças com o grupo para a turnê na América do Sul.

A banda excursionou entre 2008 e 2009 com essa formação, antes de anunciar as datas da turnê de verão com o francês Silmaeth como segundo guitarrista. Morpheus e Silmaeth eram considerados músicos convidados e não foram efetivados na formação oficial.

Em fevereiro de 2011, Silmaeth deixa a banda e seu lugar foi ocupado por Teloch, que já havia tocado com o Gorgoroth e o Ov Hell. Em 2012, sai Morpheus e entra Charles Hedger na segunda guitarra. A banda passa o ano de 2013 compondo para seu próximo álbum. Após adiamentos, o álbum intitulado 'Esoteric Warfare' é lançado em 6 de junho de 2014, sendo a primeira gravação da banda após a saída de Blasphemer.

E finalmente, em fevereiro de 2019, estréia o filme 'Lords of Chaos', baseado no livro de Michael Moynihan e Didrik Søderlind, lançado em 1997. O filme teve bastante repercussão na época de lançamento, principalmente por Varg tê-lo odiado. O filme conta os acontecimentos e tragédias que marcaram o começo da banda.

Termino essa resenha com um pensamento um tanto curioso: e se Dead não tivesse se matado, e se Varg não tivesse matado Euronymous, como estaria a cena do black metal hoje?

*por @freezingmoon___

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