SEM MEDO DE CONTESTAR
Elisa (Dominatrix)
Dominatrix surgiu no final de 1995 e são o maior expoente do movimento Riot Grrrl no Brasil. Tem dois CD´s gravados, Girl Gathering (1996) e Self Delight (1998), além de várias participações em coletâneas. Independentes e polêmicas, a banda é uma das mais conceituadas no underground paulista e referência para todo o Brasil. Leia abaixo entrevista com Elisa, idealizadora da banda.
Dominatrix é a dominadora numa relação sadomasoquista. Porque esse nome?
Ouvíamos Brat Mobile na época e elas tinham uma música chamada Panic em que diziam Dominatrix, a gente gostou da sonoridade, mas não sabíamos o que significava. Tenho uma tia que fez letras na USP e perguntei a ela o significado, por ela ter estudado latim grego essas coisas... e ela falou que a tradução era dominadora em latim. Depois descobrimos que é uma gíria numa relação SM... já tínhamos colocado o nome e achamos engraçado.
Girl Gathering e Self Delight já se esgotaram e estão na segunda tiragem. A que vocês atribuem o sucesso?
Não sei... acho que é porque antes não tinha nenhuma banda igual. Quando você lança o CD fica muito mais fácil. As pessoas ficam muito tempo lançando só demo e quando elas lançam pois vende bem mais do que uma demo, porque tanto o som, quanto a idéia e a arte gráfica ficam bem mais interessantes do que numa fita. Além do mais éramos uma banda feminina que cantava em inglês com idéias diferentes e o CD era barato... são vários fatores.
O que é ser uma Riot Grrrl?
Não sei. Hoje em dia já ficou uma coisa meio diluída: se usar uma presilha no cabelo ou se ouvir Bikini Kill você já é considerada pela cena uma Riot Grrrl. O significado original vem do início dos anos 90 quando ser Riot Grrrl era ser contestadora dentro de uma cena punk tradicionalmente machista, naquela época tinha mais significado do que hoje, pois como o movimento atingiu a mídia e atingiu a mídia dentro do hardcore que também é sensacionalista, a definição se pasteurizou. Nos identificamos com esse movimento do começo dos anos 90, não dizemos: "ah, eu sou uma Riot Grrrl!? a gente diz somos parte do Riot Grrrl, por toda ideologia do it yourself, combate ao sexismo e a homofobia e alguma coisa de vegetarianismo.
Por ser uma banda política, vocês se preocupam em "dar exemplos"?
O dar exemplo não é tipo: "ah, vou dar um exemplo", o fato da gente ser político é porque primeiramente a gente tem uma postura no dia-a-dia que é assim, assim, assado. Isso levou a gente a fazer a banda e colocar as idéias. Não queremos dar exemplo, mas encorajar as pessoas a fazerem outras coisas.
Na música No Make Up Tips vocês criticam as revistas femininas. Porque?
Porque hoje em dia é preciso desconfiar de tudo que está escrito, não só das revistas femininas, mas de qualquer publicação grande: Veja, a Folha, Capricho, Época... não que das independentes menores você não deva desconfiar, mas é que uma revista grande tem motivos bem maiores, políticos(...). No caso das revistas femininas eu acho que elas perpetuam padrões de estética que aprisionam as meninas e isso tudo para poder vender cosméticos, roupas e adjacências...
Você acredita que é possível ser feminina e feminista ao mesmo tempo?
Não, a gente não acredita no conceito feminino, nem no masculino. Ser feminina é usar saia? É ter cabelo comprido? Tem muita feminista que é assim, só que ela mesmo não se considera feminina, porque a gente não segue esses parâmetros (...). As bandas femininas que estão surgindo tem medo de contestar na raiz o problema então elas falam que é possível ser feminista sendo feminina... Acho isso meio idiota. O que é ser feminina? é fazer depilação? Depilação é uma imposição estética, a partir do momento que não é uma escolha. Tenho amigas que fazem depilação porque gostam, mesmo sendo feministas.
As religiões mais tradicionais pregam a submissão da mulher ao marido. Deus é machista?
(risos) Não sei você tem que perguntar para Ele! A questão é o seguinte, existem várias teorias de como surgiu o machismo e o patriarcado no mundo, e você tem que se perguntar porque essas religiões são machistas... é preciso fazer um apanhado antropológico da construção da civilização. Muitas pessoas acreditam que o fato da mulher ter o dom da maternidade deixou o homem com medo e por isso ele criou ritos masculinos de fortificação da sua personalidade e acabou se sobrepondo a mulher e blá, blá, blá... essa é uma teoria. As religiões se fundam no poder, e quando você fala de poder, você fala do forte e do fraco, como fisicamente o homem é mais forte que a mulher, esse foi um dos fatores de dominação dentro da religião, assim como o heterossexual domina homossexual, o branco domina o negro e etc. Se Deus é machista eu não sei, mas as religiões se baseiam primeiramente no poder.
52% da população brasileira é feminina, entretanto apenas 7% das cadeiras do plenário é ocupado por mulheres. A que vocês atribuem esse desequilíbrio?
Não existe preparação e não são encorajadas para tal. A questão de colocar uma cota eu acho errado, não adianta você colocar uma cota de 20% lá se elas não tiverem preparadas. Eu estava lendo no jornal, não sei em que julgamento, acho que o do maníaco do parque em que eles não deixaram as mulheres do júri verem a exibição das fotos do crime porque era muito forte para elas, aí tem toda a crença de que a mulher é incapaz. Elas não são encorajadas a ocupar esses cargos e quando o fazem não tem estrutura.
O que vocês acham da cultura da "bunda" que reina absoluta na mídia brasileira?
Eu acho uma bosta... mas quem faz essa cultura é a própria mídia, as pessoas fazem faculdade de comunicação, lêem tudo que lêem, começam a trabalhar na TV, no rádio, jornalismo, publicidade... e elas preferem reproduzir o que é muito mais fácil de assimilar pelo grande público do que dar uma pensadinha e fazer uma coisa mais interessante. É mais fácil dar pão e circo do que dar educação para o povo. E ao mesmo tempo, se as pessoas da comunicação social quisessem fazer algo mais educativo, não seria interessante para os poderes... é interessante que todos sejam burros no país, para serem mais um consumidor em potencial e terem a atenção desviada do problema da estrutura governamental e da miséria que a mídia trata como crise e que mantém uma certa funcionalidade no sistema.
Qual sua opinião a respeito de drogas?
Ninguém da bandas usa drogas porque a gente acredita que se a gente for sustentar o tráfico estaríamos apoiando todo um sistema. Eu sou a favor de legalizar. Porque o álcool, que mata muito mais que a maconha é legal? Seria porque tem um monte de governante envolvido no tráfico e se legalizassem eles iriam se fuder? Então a responsabilidade de cada um é perguntar, questionar porque que as coisas são legais ou ilegais.
Vocês tiveram um problema num show no Rio. Pode falar a respeito?
Lógico. Existe uma tradição muito sexista na cena local, mesmo pegando um cara de uma banda que era legal, ele tinha uma outra banda que era sexista. Todo mundo estava envolvido e todos sabiam que a gente é feminista e que contestamos as coisas mesmo, o que aconteceu lá no Rio, é que a maioria das pessoas que foi pro show foi para zoar a gente. Eles ficaram xingando o show inteiro. No final um cara veio me tirar e eu cuspi na cara dele, ele quis me bater e deu a maior confusão, tivemos que sair escoltadas do lugar... foi terrível. O show foi tenso do começo ao fim. Eles ficaram xingando entre uma música e outra sem exceção, até eu tenho vergonha de repetir que eles disseram.
Considerações finais
Queria agradecer ao espaço e falar que a entrevista foi boa, inteligente, faz tempo que não respondo perguntas assim. As pessoas ficam fazendo perguntas idiota do tipo como começou a banda, influências, acabou, tchau e considerações finais. Agradeço a oportunidade de estar respondendo uma entrevista inteligente, e gostaria de fazer uma apelo para todos lerem mais, não só o que está no jornal, mas o que foi a história do Brasil e do mundo, porque mesmo em livro de escola aprendemos coisas que não é a realidade. Quanto a cena, as pessoas devem ficar mais preocupadas em passar alguma idéia, ajudarem, cooperarem e se preocuparem menos com a questão dos boatos, do estrelato, da banda, do público e toda essa coisa que trazemos da cultura em que vivemos. As pessoas devem quebrar essa divisão entre público e banda, até mesmo porque quem toca em bandas também são seres humanos. É necessário uma constante troca de idéia para todos evoluirem e contestarem o sistema de uma forma inteligente. Obrigado.
* por Eduardo de Souza
Dominatrix surgiu no final de 1995 e são o maior expoente do movimento Riot Grrrl no Brasil. Tem dois CD´s gravados, Girl Gathering (1996) e Self Delight (1998), além de várias participações em coletâneas. Independentes e polêmicas, a banda é uma das mais conceituadas no underground paulista e referência para todo o Brasil. Leia abaixo entrevista com Elisa, idealizadora da banda.
Dominatrix é a dominadora numa relação sadomasoquista. Porque esse nome?
Ouvíamos Brat Mobile na época e elas tinham uma música chamada Panic em que diziam Dominatrix, a gente gostou da sonoridade, mas não sabíamos o que significava. Tenho uma tia que fez letras na USP e perguntei a ela o significado, por ela ter estudado latim grego essas coisas... e ela falou que a tradução era dominadora em latim. Depois descobrimos que é uma gíria numa relação SM... já tínhamos colocado o nome e achamos engraçado.
Girl Gathering e Self Delight já se esgotaram e estão na segunda tiragem. A que vocês atribuem o sucesso?
Não sei... acho que é porque antes não tinha nenhuma banda igual. Quando você lança o CD fica muito mais fácil. As pessoas ficam muito tempo lançando só demo e quando elas lançam pois vende bem mais do que uma demo, porque tanto o som, quanto a idéia e a arte gráfica ficam bem mais interessantes do que numa fita. Além do mais éramos uma banda feminina que cantava em inglês com idéias diferentes e o CD era barato... são vários fatores.
O que é ser uma Riot Grrrl?
Não sei. Hoje em dia já ficou uma coisa meio diluída: se usar uma presilha no cabelo ou se ouvir Bikini Kill você já é considerada pela cena uma Riot Grrrl. O significado original vem do início dos anos 90 quando ser Riot Grrrl era ser contestadora dentro de uma cena punk tradicionalmente machista, naquela época tinha mais significado do que hoje, pois como o movimento atingiu a mídia e atingiu a mídia dentro do hardcore que também é sensacionalista, a definição se pasteurizou. Nos identificamos com esse movimento do começo dos anos 90, não dizemos: "ah, eu sou uma Riot Grrrl!? a gente diz somos parte do Riot Grrrl, por toda ideologia do it yourself, combate ao sexismo e a homofobia e alguma coisa de vegetarianismo.
Por ser uma banda política, vocês se preocupam em "dar exemplos"?
O dar exemplo não é tipo: "ah, vou dar um exemplo", o fato da gente ser político é porque primeiramente a gente tem uma postura no dia-a-dia que é assim, assim, assado. Isso levou a gente a fazer a banda e colocar as idéias. Não queremos dar exemplo, mas encorajar as pessoas a fazerem outras coisas.
Na música No Make Up Tips vocês criticam as revistas femininas. Porque?
Porque hoje em dia é preciso desconfiar de tudo que está escrito, não só das revistas femininas, mas de qualquer publicação grande: Veja, a Folha, Capricho, Época... não que das independentes menores você não deva desconfiar, mas é que uma revista grande tem motivos bem maiores, políticos(...). No caso das revistas femininas eu acho que elas perpetuam padrões de estética que aprisionam as meninas e isso tudo para poder vender cosméticos, roupas e adjacências...
Você acredita que é possível ser feminina e feminista ao mesmo tempo?
Não, a gente não acredita no conceito feminino, nem no masculino. Ser feminina é usar saia? É ter cabelo comprido? Tem muita feminista que é assim, só que ela mesmo não se considera feminina, porque a gente não segue esses parâmetros (...). As bandas femininas que estão surgindo tem medo de contestar na raiz o problema então elas falam que é possível ser feminista sendo feminina... Acho isso meio idiota. O que é ser feminina? é fazer depilação? Depilação é uma imposição estética, a partir do momento que não é uma escolha. Tenho amigas que fazem depilação porque gostam, mesmo sendo feministas.
As religiões mais tradicionais pregam a submissão da mulher ao marido. Deus é machista?
(risos) Não sei você tem que perguntar para Ele! A questão é o seguinte, existem várias teorias de como surgiu o machismo e o patriarcado no mundo, e você tem que se perguntar porque essas religiões são machistas... é preciso fazer um apanhado antropológico da construção da civilização. Muitas pessoas acreditam que o fato da mulher ter o dom da maternidade deixou o homem com medo e por isso ele criou ritos masculinos de fortificação da sua personalidade e acabou se sobrepondo a mulher e blá, blá, blá... essa é uma teoria. As religiões se fundam no poder, e quando você fala de poder, você fala do forte e do fraco, como fisicamente o homem é mais forte que a mulher, esse foi um dos fatores de dominação dentro da religião, assim como o heterossexual domina homossexual, o branco domina o negro e etc. Se Deus é machista eu não sei, mas as religiões se baseiam primeiramente no poder.
52% da população brasileira é feminina, entretanto apenas 7% das cadeiras do plenário é ocupado por mulheres. A que vocês atribuem esse desequilíbrio?
Não existe preparação e não são encorajadas para tal. A questão de colocar uma cota eu acho errado, não adianta você colocar uma cota de 20% lá se elas não tiverem preparadas. Eu estava lendo no jornal, não sei em que julgamento, acho que o do maníaco do parque em que eles não deixaram as mulheres do júri verem a exibição das fotos do crime porque era muito forte para elas, aí tem toda a crença de que a mulher é incapaz. Elas não são encorajadas a ocupar esses cargos e quando o fazem não tem estrutura.
O que vocês acham da cultura da "bunda" que reina absoluta na mídia brasileira?
Eu acho uma bosta... mas quem faz essa cultura é a própria mídia, as pessoas fazem faculdade de comunicação, lêem tudo que lêem, começam a trabalhar na TV, no rádio, jornalismo, publicidade... e elas preferem reproduzir o que é muito mais fácil de assimilar pelo grande público do que dar uma pensadinha e fazer uma coisa mais interessante. É mais fácil dar pão e circo do que dar educação para o povo. E ao mesmo tempo, se as pessoas da comunicação social quisessem fazer algo mais educativo, não seria interessante para os poderes... é interessante que todos sejam burros no país, para serem mais um consumidor em potencial e terem a atenção desviada do problema da estrutura governamental e da miséria que a mídia trata como crise e que mantém uma certa funcionalidade no sistema.
Qual sua opinião a respeito de drogas?
Ninguém da bandas usa drogas porque a gente acredita que se a gente for sustentar o tráfico estaríamos apoiando todo um sistema. Eu sou a favor de legalizar. Porque o álcool, que mata muito mais que a maconha é legal? Seria porque tem um monte de governante envolvido no tráfico e se legalizassem eles iriam se fuder? Então a responsabilidade de cada um é perguntar, questionar porque que as coisas são legais ou ilegais.
Vocês tiveram um problema num show no Rio. Pode falar a respeito?
Lógico. Existe uma tradição muito sexista na cena local, mesmo pegando um cara de uma banda que era legal, ele tinha uma outra banda que era sexista. Todo mundo estava envolvido e todos sabiam que a gente é feminista e que contestamos as coisas mesmo, o que aconteceu lá no Rio, é que a maioria das pessoas que foi pro show foi para zoar a gente. Eles ficaram xingando o show inteiro. No final um cara veio me tirar e eu cuspi na cara dele, ele quis me bater e deu a maior confusão, tivemos que sair escoltadas do lugar... foi terrível. O show foi tenso do começo ao fim. Eles ficaram xingando entre uma música e outra sem exceção, até eu tenho vergonha de repetir que eles disseram.
Considerações finais
Queria agradecer ao espaço e falar que a entrevista foi boa, inteligente, faz tempo que não respondo perguntas assim. As pessoas ficam fazendo perguntas idiota do tipo como começou a banda, influências, acabou, tchau e considerações finais. Agradeço a oportunidade de estar respondendo uma entrevista inteligente, e gostaria de fazer uma apelo para todos lerem mais, não só o que está no jornal, mas o que foi a história do Brasil e do mundo, porque mesmo em livro de escola aprendemos coisas que não é a realidade. Quanto a cena, as pessoas devem ficar mais preocupadas em passar alguma idéia, ajudarem, cooperarem e se preocuparem menos com a questão dos boatos, do estrelato, da banda, do público e toda essa coisa que trazemos da cultura em que vivemos. As pessoas devem quebrar essa divisão entre público e banda, até mesmo porque quem toca em bandas também são seres humanos. É necessário uma constante troca de idéia para todos evoluirem e contestarem o sistema de uma forma inteligente. Obrigado.
* por Eduardo de Souza
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