A VOZ DOS INOCENTES
Clemente (Inocentes)
Desde o início dos anos 80, Os Inocentes vem trilhando o caminho do rock nacional. Clemente é o único membro original e principal compositor da banda. Ele esteve envolvido com o nascimento do movimento punk no Brasil, tocando nas primeiras bandas do estilo e participando do primeiro disco "Grito Suburbano", já com Os Inocentes, ao lado de Olho Seco e Cólera. São nove lançamentos desde então: Miséria e Fome (83), Pânico em SP (86), Adeus Carne (87), Inocentes (89), Estilhaços (92), Subterrâneos(93), Ruas (96/97), Embalado à Vácuo (98) e Barulho dos Inocentes (00) em que eles resgatam alguns clássicos do underground nacional.
Você tocou no "Restos de Nada" e no "Condutores de Cadáver" . Afinal qual dessas bandas foi a primeira banda punk brasileira?
A primeira foi o Resto de Nada, falaram-se de outras bandas punks na época mas eu não cheguei a ver essas bandas, uma chamava não sei o que do lixo, de Minas, mas olhando o visual dos caras eles tinham o visual de rock. Outra banda da mesma época era o AI5, e não sei qual começou primeiro. Chegamos a fazer shows juntos isso em 78 por aí.
No inicio dos anos 80, Raul Seixas disse que o movimento punk era uma moda e que nunca atingiria o alicerce do sistema e que o sistema iria reverter e capitalizar o movimento. Qual sua opinião a respeito?
É engraçado porque quando eu conheci o movimento punk eu também achava que era uma moda. A revista Pop da época falava: "vai ter uma festa punk no Hipopótamus" que era uma discoteca, ou "como ser punk", ou "como furar o dedo", "aprenda a rasgar a roupa"... era uma modinha xumbrega. Mas aí eu estava na casa do primeiro baterista do Inocentes e o irmão dele mais velho perguntou se a gente não ouvia punk, porque a gente era meio revoltado e não queríamos saber desse negócio de punk porque era modinha aí ele colocou o disco do Generation X, e traduziu a letra de My Generation para mim e por incrível que pareça foi o Billy Idol que me fez virar punk. Eu pensei: "do caralho isso", aí começamos a se inteirar a acompanhar e é isso que a gente sempre foi. Se fosse pela grande mídia a gente não seria punk.
Em 82 foi lançado o "Grito Suburbano" que foi um marco na história do rock nacional, como foi e como vocês se sentem por participar deste disco e como chegaram até ele?
Pra gente foi um processo natural, o Fabião (Olho Seco) mora do lado da minha casa e a idéia do nome Grito Suburbano foi de um amigo nosso, o Cavalo. E aí a gente bolou um lance de show com as bandas. Tinha acabado o Condutores de Cadáveres, o Resto de Nada e bolamos os eventos com várias bandas que se chamavam Grito Suburbano que era para divulgar o movimento, quando o Fabião falou vamos gravar um disco e eu falei: como é que é? Eu nem imagina como era um estúdio. A coisa aconteceu tão naturalmente... uma coisa de um pessoal que ouvia o mesmo som e tinha uma afinidade, as vezes em casa ensaiava nós, o Cólera, Olho Seco, Lixomania, Desequilíbrio, Juízo Final, Setembro Negro e outras bandas tudo em casa... a gente se reunia pra tomar um vinho e tocar, uma confraternização. O Anarcólatras e o M 19 eram para participar do grito suburbano, mas a gravação não tinha ficado legal e eles tiveram, problemas quando foram regravar e no fim ficaram três bandas.
Apesar de todo serviço prestado ao movimento punk, vocês foram considerados traidores do movimento ao assinar contrato com a Warner. Como foi?
Na verdade existe um erro histórico porque a gente já era considerado traidor antes de assinar com a Warner, a gente só foi para a Warner porque a gente não se considerava mais do movimento punk. Existia muita treta entre os punks de São Paulo e os punks do ABC e nós fizemos um show na PUC para tentar reunir esse povo, em 82, porque, o começo do fim do mundo só aconteceu por causa disso porque conseguimos reunir o pessoal do ABC e de São Paulo, senão seria uma grande briga e foi o que aconteceu no final. Quando os punks voltaram a brigar a gente ficou de saco cheio do movimento porque a gente organizava as coisas tentava unir todo mundo e tinham punks só iam lá pra beber e destruir os banheiros do lugar. E os caras diziam que a gente era traidor do movimento porque queríamos fazer união com o ABC. Além disso, tinha uma casa nova que tava abrindo e eu e o Calegari fomos trabalhar nessa casa chamada Napalm que tocava bandas new wave, bandas punks, rockabilly e tudo que estava acontecendo de novo, e os caras achavam que por estar trabalhando nessa casa a gente era burguês, porque para o punk o show tem que ser de graça, essas coisas. Então ficamos de saco cheiro. Aí houve a separação do Inocentes com o movimento punk por isso fomos para a Warner.
Em 86 vocês tiveram um show interrompido por policias no Ácido Plástico, o que houve? Como se sentiram?
A gente já estava acostumado... todo festival punk terminava assim... banda e público todo mundo indo em cana. Não podemos esquecer que a gente viveu na época da ditadura. Não que tenhamos sido fichados... era diferente... era um crime político, a gente tava reunindo os jovens, protestando e para desarticular os jovens os militares invadiam. Todo tipo de manifestação cultural que pudesse levar perigo ao Estado eles queriam dispersar, então era normal eles invadirem, ficarem molestando o punk... falando que ia prender. Imagina um monte de moleque reunido e revoltado reclamando do governo. Mas no Ácido Plástico foi o por causa do barulho. Naquela época a polícia ainda não tinha se acostumado com a democracia, o Sarney tinha acabado de assumir, ele era direita então para os caras ainda estava tudo normal.
A banda já atingiu a maioridade. Quem é o público dos Inocentes?
Molecada. Não interessa pra ele se a gente é punk, junk, yankee... eles gostam da gente, eles gostam de todas as fases, sacam qual é a nosso, e eles cantam tudo. Tem coisa que eu achava que ninguém conhecia e os caras gostam: é skatista, punk, hardcore, straighedge, surfista, tem tudo, a gente nunca exigiu carteirinha de ninguém. Nossa briga sempre foi essa, se queremos levar uma mensagem positiva uma mensagem legal não se restringir a apenas um movimento, é a mesma coisa que ensinar o pai nosso ao padre, se você é do gueto e só fala ao gueto, não está levando nada a ninguém, e o legal é poder tá tocando para um público maior, e o legal é fazer isso sem estar se sujeitando a imposições da mídia.
Porque o rap substituiu o punk como forma de protesto na periferia?
Porque o rap é muito mais acessível muito mais fácil de se entender. O punk para começar é rock, e o rock já é agressivo, e dentro do rock o punk já é o estilo mais agressivo, se os caras não gostam de rock, para gostar de punk... agora o rap é fácil de cantar tem swing, a periferia é negra, tem haver com samba, com o funk, uma linguagem mais fácil de se assimilar, as letras retratando aquela realidade, assim ficando mais fácil de entender e o punk, já é difícil de um roqueiro gostar de punk. Hoje em dia muito mais gente gosta de punk, mas na nossa época o Ramones nunca tocava no rádio. Demorou dez anos para eu ouvir Ramones no rádio. Demorou muito tempo para o punk ser assimilado pelo grande público. O Green day faz o maior sucesso todo mundo acha pop e é punk, muita gente se engana quando fala que o Greenday é um punk pop, na verdade o Greenday é o punk original se você ouvir Buzzcocks ou outras bandas de 77 você vai ouvir Greenday. O som foi sendo assimilado, o Greenday é o punk. A porrada que o Ratos de Porão faz, o Charles faz é hardcore, é outra coisa.
Você já utilizou o poema de Mayakovsky num poema, e Barulho dos Inocentes é um trocadilho com o Silêncio dos Inocentes, quais são suas influencias fora da música?
Mayakovski com certeza, tanto é que "Fechem os olhos dos jornais" é uma frase dele que me marcou muito e daí saiu a letra, eu gosto de Júlio Cortaza, Mario Vargas Llosa, Albert Camus, Darcy Ribeiro... eu leio razoavelmente, gosto de cinema, eu quero assistir "Crônicamente Inviável" que é um filme legal, acabei de assistir Beatiful People, um filme inglês... Eu gosto de muita coisa: cinema, livros legais... acho que tudo influência a música. É um tipo de vida que a gente leva tanto é que eu estou no Musikaos, que dá espaço para a poesia, para a música alternativa para os malditos da mídia. É claro que a gente leva alguns nomes que tem peso para atrair o público para poder ver os caras que não tem. Se eu não puser o Raimundos, como eles vão conhecer o Olho Seco? Essa é a brincadeira, como no dia que eu levei o Charlie Brown e o Grinders, o Chorão literalmente chorou vendo os caras que é uma das primeiras bandas de skate punk, para molecada entender que é daí que veio o som do Charlie Brown Jr., o rock nacional tem história.
No disco "Barulho dos Inocentes" vocês estão tentando recuperar essa história?
Em parte sim, a gravadora queria um disco logo e eles sugeriram um disco com regravações como todo mundo está fazendo, eu disse só se for com as músicas que a gente gosta, o problema é que o que a gente gosta pouca gente conhece, então é como se fosse um disco de inéditas.
Como foi a escolhas da música?
Foi legal porque o Rafael Ramos veio com essa idéia de gravar o punk nacional, foi um desafio, porque a gente nunca tocou música de ninguém de uns tempo pra cá que o público pede que o público pede a gente começou a tocar Ramones no show. E ai tocamos Garotos, ficou legal, tocamos Cólera e assim nasceu o barulho dos Inocentes. Além de ser uma homenagem, é uma oportunidade para as pessoas conhecerem bandas que não tem tanto espaço na mídia, além das bandas novas como o Sexnoise e o Zumbis do Espaço.
Tem alguma banda hoje em dia com conteúdo, ou você acha que vai tudo pela onda?
Não é que tudo vai pela onda, é que a mídia só quer isso. Antigamente tinha o valor artístico, os caras tinham a paciência de esperar uma banda lançar 2, 3 discos para desabrochar, o Titãs só estourou no terceiro disco, havia um tempo, hoje não... tem que tocar no rádio. Veja o caso do Tihuana... pula, pula porque tem tocar logo, já vender e passa pra próxima. Então não se tem tempo de desenvolver um poeta, um artista. Não é culpa das bandas é culpa da mídia que não dá espaço. Eu conheço bandas no underground que tem qualidade, o La Carne, o PB, o pacto, são bandas que você vê que tem um trabalho legal mas que não teriam espaço para sobreviver na mídia hoje. Antigamente você chegava numa rádio, e o locutor tinha espaço para pegar seu disco para tocar. Hoje com o computador o coordenador da rádio sabe exatamente o que o cara tocou. Se ele fugir daquilo e tocar o que ele acha legal, o cara tá com a corda no pescoço. É complicado, tem bandas legais que não tem mais espaço. As rádios querem dinheiro e os músicos também, todos visam o lucro e não há mal nenhum nisso. Ou você faz ou não faz, eu não faço e me ferro (risos) não é todo mundo que encara a a música como arte, tem gente cara que encara como um trabalho normal, e tocam aquilo que está vendendo.
Considerações finais
Apesar de todas adversidades você confiar no seu taco. Muitas bandas ficam me perguntando o que fazer para chegar nas gravadoras, para fazer sucesso... tá todo mundo muito preocupado em fazer sucesso e tem que se preocupar com um trabalho consistente. É tudo consequência de um trabalho. Se eu soubesse a fórmula do sucesso eu aplicava para mim mesmo (risos) . Você pega É o Tchan, faz sucesso porque tem uma loira e uma morena dançando e rebolando e ficam cantando aquelas musiquinhas fácil, quantas bandas dessa está vendendo 3 milhões? Se isso fosse uma fórmula que funcionasse o Axé Blond ia vender 1bilhão de cópias, tem 10 loiras dançando.... É o carisma do cara mas o mais importante é ter um trabalho consistente, poder olhar para trás e ter orgulho do que faz. As vezes o trabalho vinga, as vezes não. Não adianta ficar pulando de galho em galho, eu conheço muita gente que ganhou muita grana em uma única oportunidade e que hoje vive rastejando igual a um verme e não tem como olhar para trás.
* por Eduardo de Souza
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