O PROPÓSITO DO VENTO

Fernando Ceah (Vento Motivo)
Nunca desistir do sonho. Ao contrário de muitas bandas que surgem e tem pressa de aparecer e pouco a dizer, o Vento Motivo passou mais de uma década em estado embrionário: shows escassos, muitas mudanças de formação e muitas composições. Com Fernando Ceah (g/v) e Marco Panisa (g) sempre à frente e com o recém-recrutado Binho (d), a banda encontrou na maturidade o tempo ideal para o primeiro CD, ‘Luciana Vai a Guerra’, lançado no ano passado, 12 anos após o primeiro ensaio. Conversamos com Fernando Ceah sobre a banda, o disco e o cenário independente. Vale a pena conferir. 


Como surgiu a banda?
Conheci o Marco numa festa do colégio. Eu estudava com a irmã dele. A afinidade foi instantânea. O Marco me disse que tocava guitarra, eu disse que também tocava. Mas na prática a gente mal arranhava um violãozinho empenado. Mas logo de cara fomos inventando nossas próprias coisas. Devíamos ter uns 15, 16 anos na época. A galera cabulava aula e a gente ficava ali, tocando nossas primeiras canções. Quando montamos uma banda de fato, ficávamos só no laboratório, compondo, aprendendo, quase nem rolava shows. A idéia era botar o circo na rua só quando tivéssemos absoluta certeza do que dizer, do que tocar. Os caras não tinham muita paciência, passamos por várias formações, desenvolvendo o protótipo do que é o VM hoje.

Por que o nome Vento Motivo?
A banda chamava 'Meia Taça' antes, mas não dá pra levar a sério uma banda com um nome desses, né? Logo no começo eu compus uma canção chamada Vento Motivo. É você estar em casa pensando em alguém, derepente o vento bater na janela e você enxergar naquilo algum propósito. Imaginar que de certa forma o vento te conecta àquela pessoa distante…traz notícias dela. A música tratava disso. Depois, pensando no poder do vento de transformar as coisas, mudar as formas, levar milhares de pequenas coisas de um lugar pra outro, mudar o clima, por razões naturais, vitais ou desconhecidas, acabamos adotando a expressão como nome da banda.

Quem é Luciana? Ela existe?
Luciana representa os jovens de maneira geral no campo de batalha que é a vida de cada um. Vamos pra guerra aprender a matar e a morrer, a conviver com armadilhas, traições, bandeiras, aliados, inimigos, comandantes e generais. E vamos pisando em ovos, porque qualquer deslize pode ser fatal, porque os inimigos estão cada vez mais camuflados. Uma menina vai pra guerra pra perder a virgindade, um cara vai pra guerra pra comer uma menina. Até aí tudo natural, mas a natureza é contamidada. Com amor ou sem amor? Com camisinha ou sem camisinha? Com aditivos ou careta? Luciana é a personagem central, o disco funciona como uma pirâmidade. Luciana no topo, o bem e o mal em lados opostos na base. E no centro, todos os conflitos, já que nem sempre o mal parece tão ruim e o bem parece tão bom. “O que é bom me faz tão mal, seria perfeito se fosse direito” , diz uma canção do disco. Todas as canções do Vento Motivo são verídicas. E embutida no disco, está a história real de uma garota assassinada aos 17 anos por traficantes de drogas, depois de ter sido estuprada e barbarizada. Essa garota foi minha namorada, e perdeu a guerra mesmo lutando com as armas mais bonitas. Quem prestar atenção nas letras do começo ao fim, do modo como as músicas estão dispostas no disco, vai perceber a história.

De onde surgiu a idéia do disco conceitual?
Engraçado que o desfecho trágico do fato real se deu depois do disco arquitetado. Luciana foi concebido por puro reflexo do momento, já que todas as músicas são reais, seja falando de mim, falando dos outros, falando de questões subjetivas da vida de todo mundo. São sempre reais. E olhando para aquelas canções, ficou óbvia a ligação entre elas. A partir de então procuramos trabalhar as composições, os arranjos, a ordem das músicas, a parte gráfica, de modo que ficasse cada vez mais clara a idéia de transformar Luciana num personagem com o qual muitos podem se identificar, de um modo ou de outro, dependendo de que lado você está, de que bandeira você levanta, de que nível de consciência você tem pra batalhar, pra viver, de que nível de romantismo e bondade você tem quando vai transar com alguém, inclusive.

Como tem sido a repercussão?
Tem sido boa, apesar de todas as dificuldades que uma banda nova enfrenta para se posicionar no mercado. É um trabalho auto-produzido, pretencioso no bom sentido e ousado em relação a alguns padrões vigentes na indústria cultural. Então, às vezes pinta uma certa resistência de alguns veículos de comunicação. O Vento Motivo é uma banda de rock de muita atidude para ser considerada pop, e ao mesmo tempo suficientemente pop para ser bem aceita no underground. Mas a galera que ouve de coração aberto, o público, tem curtido muito mesmo. A gente tem recebido mensagens incríveis de pessoas que chaparam com o trabalho.

Como está sendo a experiência de produzir um trabalho independente?
Gratificante e complicada. Optamos por montar um estúdio, posteriormente um selo e uma editora, para garantir a autenticidade e identidade da obra. Esse disco vem direto da fonte para o ouvinte, não tem interferência de nenhuma assinatura lapidando, polindo, pra por na vitrine. É uma pedra bruta. Fizemos isso acreditando que a arte está entre dois polos, artista e público. Não precisa de atravessadores. Por outro lado temos que assumir a responsabilidade pelos erros e acertos, e pagar o preço por certas coisas. É difícil entender o Vento Motivo do dia pra noite, e independentes, temos a chance de explicar com calma. Por outro lado, é um tipo de som que depende de mídia pra funcionar, por causa dos atributos pop. Nós não temos muito espaço no underground, sobretudo do que se refere a shows. E na cena independente, divulgação é cara, lenta e ás vezes pouco eficiente quando se pretente atingir o grande público. Distribuição também é um problema seríssimo que a gente enfrenta. Mas o mercado caminha pra isso, independência, musica digital. Um caminho aliás cada vez mais aberto, cheio de bifurcações e novas soluções.

Vocês tem contato com outras bandas na mesma condição?
Nós somos distribuidos pela Trama e estamos sempre ligados nesses novos caminhos, nessas novas formas de produzir e vender música. E a Curumim Records, nosso selo, pretende lançar novas bandas esse ano. São bandas que pensam do mesmo modo, que tem plena consciência do seu trabalho, sabem do que se trata, sabem como fazer, que querem preservar uma identidade pré existente. Não é invenção de ninguém. E que ao mesmo tempo possuem os atributos necessários, como produto, para chegarem a um público maior. Ninguém quer trabalhar no gueto, eu acho, sobretudo quem tem muito a dizer e a urgência de falar. É o caso dos Gianoukas Papoulas e do Quatrocantos, que vamos lançar aqui. A Curumim Records é um selo segmentado de pop-rock, com a perspectiva de atingir um grande número de pessoas através de bandas acessíveis, de originalidade e qualidade.

Vocês buscam assinar com uma grande gravadora? E qual seria o limite de interefêrencia deles num trabalho?
Claro, com algumas ressalvas. Precisa ver até que ponto vale a pena. Nosso objetivo é construir uma carreia sólida, e pra isso fica claro que é preciso investimento não só de grana, mas de tempo e paciência. Por outro lado a visão das majors tem sido imediatista e matemática. Não se cria mais produto de catálogo, pra vender a vida toda. Hoje o cara grava um disco, estoura um single na rádio, depois de 6 meses vai parar na prateleira de 5,90 das Lojas Americanas, na liquidação. Isso porque todo mundo se parece com todo mundo, por causa do padrão estabelecido. É tudo default, e ainda dizem que o rock nacional está morto, que não apresenta novidades. Mentira. Então, se a gente descolar uma gravadora que tenha para nós um plano de carreira, um produtor que trabalhe com a gente e não contra nós, é só apresentar o contrato que a gente assina. Seria ótimo porque o alcance é infinitamente maior. Mas é melhor não aparecer do que aparecer equivocadamente.

Qual a importância da internet no trabalho do Vento Motivo?
Não resolve mas ajuda muito. Num futuro próximo, no entanto, vai ser a maior arma dos independentes. É que a conexão internet-música ainda está se estruturando por aqui. As pessoas estão cada vez mais acostumadas com MP3, com radios virtuais, mas acho que vai um tempo ainda pra internet mudar de vez o jeito de difundir e vender música e informação relativa a música. Mas temos que levantar essa bandeira, pela democratização do processo. Agora o lance não é para poucos. Você pode gravar seu CD em casa e divulgar pela internet, uma vitrine para o mundo todo. Isso é genial, é uma idéia que aos poucos vai se organizando.

Fale sobre o vídeo que pretendem produzir. Poliana Bernardes vai aparecer também no clipe?
O proximo clipe vai ser “Luciana vai pra Guerra”. A idéia inicial do diretor é que várias meninas representem Luciana, a gente ainda vai discutir o roteiro com mais calma. A Poliana participou do primeiro clipe, da música Mais Uma Vez, faixa 5 do CD, representando Luciana. Esse clipe traduz muito bem o espírito do disco e está disponível em nosso site.

Onde pretendem veicular? E quais as perspectivas para 2004? E para o futuro da banda?
Na MTV assim como o primeiro, depois internet, Multishow e onde mais der pra colocar. Em 2004 a gente pretende continuar divulgando o 'Luciana Vai Pra Guerra', porque é muito importante para nós que o maior número de pessoas possível conheça o conteúdo, já que tem coisas muito importantes cantadas ali que precisam ser ouvidas e sentidas. 'Luciana Vai Pra Guerra' já está bombando no litoral norte paulista. A partir do dia 10 passa a rolar também no litoral sul. Dia 20, em todo o Brasil. Tem o clipe, que vamos começar a gravar ainda este mês. E estamos agitando vários shows ainda pra Janeiro. E se Deus quiser vai ser show o ano todo. Tem umas músicas novas surgindo, outras antigas sendo resgatadas, para um futuro próximo disco que a gente não sabe ainda quando vai começar a produzir.

Qual a dica para as bandas que pretendem trilhar o caminho independente?
Olha, a gente está aprendendo, mas tem umas coisas. Primeiramente, abolir a idéia de fazer demo. Tem que fazer logo um disco completo, de qualidade. No mínimo um EP bem produzido. Atenção para o detalhe do bem produzido, porque foi-se o tempo que independência era sinônimo de coisa mal gravada. Tem que fazer produto final, até para poder chegar numa gravadora grande. Não precisa gastar horrores não, importante mesmo é quem opera os botões. Depois é correr atrás de divulgação e distribuição. Um selo independente bem estruturado já abre um monte de portas. Um investidor pode garantir uma estrutura mais profissional. É comum hoje, mesmo nas majors, que os artistas tragam seu investimento, e não precisa ser muito, precisa sim ser bem aplicado. E cada dia vai aparecer um obstáculo novo, e tem que vencer todos, engolir os elefantes um por um , com criatividade e persistência, sem pensar em hipótese alguma em desistir.

Produzir um disco como 'Luciana' é uma tarefa árdua. Qual a recompensa deste esforço?
A maior recompensa é receber elogios de pessoas que ouviram e entenderam o recado. Que viraram fãs. Tem também as pequenas coisas que emocionam, ver sua música tocando no radio, ver seu disco na loja. Gratificante também é saber que o VM, embora ainda não seja uma banda conhecida do grande público, já é uma realidade dentro do mercado. É uma banda que existe além da garagem, além do meu quarto, que é onde ensaiávamos no começo. O 'Luciana Vai Pra Guerra' abriu muitas portas.

Considerações finais
Gente, muitíssimo obrigado pelo espaço. Ao Eduardo de Souza e a toda equipe da Rocker Magazine. Sempre que precisarem de nós, podem contar, ok? Beijos e abraços também para os internautas, espero que vocês continuem acompanhando a gente. Tem muito chão pela frente, mas vamos ficando por aqui deixando a promessa de jamais desistir de fazer música com honestidade. Até breve, meus amigos.

* por Eduardo de Souza

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