O show deve continuar?

Davi tinha apenas uma atiradeira e uma pedra quando foi lançado frente aos seus para enfrentar o gigantesco Golias. O jovem balconista David Coverdale tinha apenas sua voz. E a arremessou à limites estratosféricos quando enfrentou a maior batalha de egos de todos os tempos, o Deep Purple. Sua responsabilidade era imensa, David era um talentoso desconhecido que deveria substituir ninguém menos que o silver voice Ian Gillan, o maior cantor de rock da Inglaterra até então.

Coverdale cujas mãos tremiam ao agarrar o pedestal (como se esse fosse o suporte de todo peso de sua voz), aproveitou a oportunidade: cantou com a alma do blues, e assim cantou como se cada música fosse a última de sua vida.

A maturidade veio, o Deep Purple acabou e Coverdale ganhou o mundo à frente do Whitesnake, onde o pedestal não era mais suporte, era seu parceiro, a extensão natural do seu corpo, arremessado ao alto, voava pelo palco regendo platéias e canções por todo o mundo. O Whitesnake tinha um som pesado, mas com apelo comercial e teve seu auge nos anos 80. Como um bucaneiro David Coverdale guiou com sua voz uma orda de poderosos músicos: John Lord, Cozy Powell, Adrian Vandenberg e Steve Vai, Ian Paste e outras figuras lendárias dividiram os palcos e as glórias com o ex-balconista.

Too young to die, to old to Rock n´Roll.

Tentei mais pareceu impossível descrever meu sentimento minutos antes de ver David Coverdale subir ao palco, estivesse ele acompanhado por quem quer que fosse. É difícil procurar palavras quando se está diante de um deus. Mas as palavras surgiram, infelizmente não da maneira esperada. O ano 1997, o local Parque Antártica. O que prometia  ser o maior espetáculo da terra tornou-se um fiasco. Diante de não sei quantas mil pessoas a voz surgiu, mas não era a esperada. De cabelos negros e blazer à la Roberto Carlos, David cantou, mas não como devia. Acabado, consumido pelo cigarro e destituído do vigor físico vi meu ídolo encolher e preferi fechar os olhos e os ouvidos. Talvez não fosse uma boa noite, talvez a influência maléfica do ar verde (afinal estávamos no estádio do Palmeiras). Fosse o que fosse, decidi ir embora. Parti antes do final do show e passei a acreditar apenas nos velhos LP's.

E foi com surpresa e desconfiança que recebi a notícia de que o Whitesnake está de volta para uma turnê mundial, e vai passar aqui no Brasil. Oito anos se passaram após o fiasco do Parque Antártica e me pergunto se houve salvação para aquela voz. Prefiro ficar sem saber e eximir meus ouvidos de qualquer esperança de ouvir, ao vivo, o jovem balconista e sua voz indomável.

Sábio aquele que sabe quando parar.

* por Eduardo de Souza

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