Palavras repetidas

Perguntaram à John Lennon se ele achava que os Bee Gees imitavam os Beatles. John, em sua sinceridade provinciana respondeu algo parecido com isso: "são apenas sete notas, é impossível não repetir o que já foi feito antes". De maneira simplista, ele está corretíssimo, porém, há uma lógica questionável nesta afirmação. Pois, todos os dias não seriam iguais também? Com o nascer do sol, o poente e a noite? Todas as vidas não seriam iguais, com os primeiros passos, as primeiras palavras a descoberta do amor e a morte? Eu não gostaria de pensar que estamos todos num ciclo de repetições e erros e que nada vai mudar do dia anterior para o próximo. Se todos somos iguais, se nossos destinos são iguais, se todas as músicas forem iguais, desisto. Se perderia de mim a esperança. Prefiro adotar como lema a frase com que George Orwell concluiu brilhantemente o seu livro 'A Revolução dos Bichos': "Todos os animais são iguais, mas tem uns mais iguais que os outros".

Veja o que Joe Cocker fez com 'With a Litle Help From My Friends', do próprio Lennon e de McCartney. A música original, que John e Paul compuseram, era para o Ringo cantar, e é bonitinha. Para ouvir, cantarolar e balançar a cabeça. Já a versão de Joe, em nada lembra a canção original: é repleta de intensidade e dramaticidade; cantada com a sensação de desespero que só a voz arrastada de Joe Cocker poderia nos proporcionar. A "ajudinha dos amigos" parece ter passado por um moedor de carne do inferno. A versão superou a original.


Maybe someday you name will be in the light

Outro caso parecido é um clássico dos clássicos, 'Johnny B. Goode' de Chucky Berry. Vários intérpretes cantaram as desventuras de Johnny, mas a versão definitiva veio da Jamaica com Peter Tosh. Peter tocava com os Wailers, junto com Bob Marley. Enquanto Marley fumava a ganja pensando que o mundo poderia ser verde, amarelo e vermelho e que todos poderiam ser felizes, Peter tinha uma visão mais dura da realidade, tanto é que se encheu dos Wailers e foi trilhar seu próprio caminho. E seu som refletia isso, era um Reggae mais denso, mais pesado, mais 'rock'. Enquanto Marley cantava Every Little Thing Gonna Be All Right, Tosh conclamava: Get Up Stand Up: Don't Give Up The Fight! (essa referência não é justa, pois a música citada de Tosh foi composta em parceria com Marley, mas dou um braço se não foi ele quem chegou com essa frase).

A visão reggae de 'Johnny B. Goode' de Tosh é antológica. Mais uma vez a versão superou a original.


Sobre as pegadas, eu andei

É preciso ter capacidade e sensibilidade musical para chegar ao mínimo múltiplo comum de universos tão díspares. Há nisso tudo uma irreverência que profana os velhos estandartes do rock. E quando pensamos que covers são sempre covers, e que sete notas são sempre sete notas, eis o rock, ressurgindo com leviandade a cada nova geração. Assim faz o Dread Zeppelin, cantando Led em ritmo de Reggae com um vocalista que imita Elvis; Assim faz Ana Carolina reinventando 'Eu Gosto de Mulher' do Ultraje; Assim faz o Beatalllica cujo vocalista soa como o próprio James Hetfield, misturando as músicas dos Beatles com as do Metallica. Assim como todos os dias podem ser iguais, ou não, dependendo dos olhos de quem os vê, suas versões podem, ou não, superar a original, mas são contadas como outras histórias, outras vivências. Um novo roteiro para um mundo que não pode ser apenas de repetições. Todo o dia há a esperança de um novo começo. Disso, eu não abro mão.

* por Eduardo de Souza 

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