Eterno Retorno
Tem de se sofrer pelo destino da música assim como se sofre por uma ferida aberta. Por que eu sofro com o destino da música? Porque a música foi amputada de seu caráter afirmativo e esclarecedor do mundo - porque ela é a música da décadence e não mais a flauta de Dionísio.
Com raríssimas exceções, é assim que vejo a música dos nossos dias. Aliás, não sou eu o autor da frase acima, quem me dera. O autor foi Friedrich Nietzsche, há dois séculos. Se Nietzsche, no tempo dele, matou Deus, imagine o que ele faria com a música do século XXI? Não sobraria nota sobre nota, nenhum acorde, nenhum compasso sequer. Nenhum som.
E a música do século XXI sobreviveria à ausência de som?
Talvez sim, pois em algum momento a imagem passou a ser mais importante que o som. Os escândalos e a beleza rendem mais discos vendidos e noticiários que a qualidade artística. Eis os valores da cultura vigente, estruturada em papparazis e revistas de fofoca: você é o que você compra; apareça ou morra.
Na busca pela excelência da imagem, a música foi se esvaindo. Essa música que eu acredito, e que talvez fosse o que Nietzsche também procurava, e por isso sofria. A música contestadora, capaz de embebedar a alma, de plantar conhecimento ou curiosidade, e, capacidade de reflexão na busca de um bem maior do que simples passa tempo: uma música que ecoaria também no intelecto.
A ópera nasceu em Florença, do sonho de um teatro total. Os intelectuais florentinos queriam recuperar a dramaticidade da declamação da tragédia grega antiga. E uniram num só espetáculo o drama, o teatro, a música, a dança e cenários elaborados.
Bandas como o Kiss tem esse apelo, essa busca por um espetáculo completo. Mas sem poesia, sem a profundidade de reflexão e com melodias simples e grudentas. Difícil acreditar que Paul Stanley, Gene Simmons e seus asseclas sobreviveriam apenas de sua música caso não tivessem uma presença cênica tão vislumbrante. Uma das melhores da história do rock, diga-se de passagem.
Vivemos um momento em que a revolução tecnológica está quebrando paradigmas, e quiçá a música ressurja como uma ferramenta multimeios, ligada intrinsecamente ao cinema e a internet ou outras artes. Mas falar sobre o futuro é só especular. Sobre os nossos dias: as tragédias gregas são encenadas há dois mil anos; as mesmas óperas há quatro séculos. Só queria encontrar atualmente uma música capaz de durar mais que um verão.
Talvez eu esteja me enganando e a música de hoje seja apenas uma manifestação cultural efêmera e temporal, sem essa grandiosidade épica, que proponho e acredito. Talvez a música seja isso mesmo, apenas ópio, prazer momentâneo e fugaz. Também sou admirador dessa música despretensiosa, a que nos faz rir, chacoalhar a cabeça e esquecer do mundo por instantes. Mas é que às vezes, de vez em quando, eu assisto "The Wall". E leio Nietzsche.
* por Eduardo de Souza
Com raríssimas exceções, é assim que vejo a música dos nossos dias. Aliás, não sou eu o autor da frase acima, quem me dera. O autor foi Friedrich Nietzsche, há dois séculos. Se Nietzsche, no tempo dele, matou Deus, imagine o que ele faria com a música do século XXI? Não sobraria nota sobre nota, nenhum acorde, nenhum compasso sequer. Nenhum som.
E a música do século XXI sobreviveria à ausência de som?
Talvez sim, pois em algum momento a imagem passou a ser mais importante que o som. Os escândalos e a beleza rendem mais discos vendidos e noticiários que a qualidade artística. Eis os valores da cultura vigente, estruturada em papparazis e revistas de fofoca: você é o que você compra; apareça ou morra.
Na busca pela excelência da imagem, a música foi se esvaindo. Essa música que eu acredito, e que talvez fosse o que Nietzsche também procurava, e por isso sofria. A música contestadora, capaz de embebedar a alma, de plantar conhecimento ou curiosidade, e, capacidade de reflexão na busca de um bem maior do que simples passa tempo: uma música que ecoaria também no intelecto.
A ópera nasceu em Florença, do sonho de um teatro total. Os intelectuais florentinos queriam recuperar a dramaticidade da declamação da tragédia grega antiga. E uniram num só espetáculo o drama, o teatro, a música, a dança e cenários elaborados.
Bandas como o Kiss tem esse apelo, essa busca por um espetáculo completo. Mas sem poesia, sem a profundidade de reflexão e com melodias simples e grudentas. Difícil acreditar que Paul Stanley, Gene Simmons e seus asseclas sobreviveriam apenas de sua música caso não tivessem uma presença cênica tão vislumbrante. Uma das melhores da história do rock, diga-se de passagem.
Vivemos um momento em que a revolução tecnológica está quebrando paradigmas, e quiçá a música ressurja como uma ferramenta multimeios, ligada intrinsecamente ao cinema e a internet ou outras artes. Mas falar sobre o futuro é só especular. Sobre os nossos dias: as tragédias gregas são encenadas há dois mil anos; as mesmas óperas há quatro séculos. Só queria encontrar atualmente uma música capaz de durar mais que um verão.
Talvez eu esteja me enganando e a música de hoje seja apenas uma manifestação cultural efêmera e temporal, sem essa grandiosidade épica, que proponho e acredito. Talvez a música seja isso mesmo, apenas ópio, prazer momentâneo e fugaz. Também sou admirador dessa música despretensiosa, a que nos faz rir, chacoalhar a cabeça e esquecer do mundo por instantes. Mas é que às vezes, de vez em quando, eu assisto "The Wall". E leio Nietzsche.
* por Eduardo de Souza
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